Ontem
mencionei as estranhas desvantagens do sangue frio que Deus me deu. Porém, não
é à toa que se pregam aos quatro ventos os benefícios do autodomínio: como em
tudo na vida, quer-se o equilíbrio…
Por motivos profissionais estive em contacto
desde muito cedo com competições, tanto na qualidade de concorrente como de
jurada, membro da organização, etc. Embora nunca fuja a um desafio, não sou uma
pessoa competitiva. Acho que uma disputa de qualquer tipo, embora possa aguçar-nos
o empenho, deixar as paixões à flor da pele e obrigar-nos a dar tudo por tudo
não é a melhor forma de demonstrar as nossas qualidades. O stress envolvido, o
factor sorte, circunstâncias aleatórias, as limitações impostas em qualquer
forma de jogo e em última análise, a dificuldade em julgar pessoas ou performances muito diferentes através de
moldes rígidos dificultam escolher com absoluta justiça. Basta ver alguns
formatos televisivos em que se gera um conflito entre o objectivo do certame (o
“ídolo” comercial, a manequim para o mercado high fashion, o melhor imitador…) e o concorrente mais popular junto
do público, ou aquele que é, numa óptica realista, superior (o melhor cantor, a
modelo esteticamente “perfeita”, etc).
As
eventualidades do meu lado profissional acabaram de certo modo por se cruzar
com o aspecto pessoal, pelo que atravessei e testemunhei indirectamente inúmeros
casos de competição, alguns escusados e bastante feios. Sempre preferi
comprovar as minhas qualidades tranquilamente, através do esforço inerente à
tarefa, dos resultados ou daquilo que eu era, what you see is what you get. Ou há empatia, identificação de
parte a parte, ou somos a pessoa certa para ali ou não vale a pena andar em
pontas nem provar o que quer que seja.
Não fui educada para procurar desesperadamente a aprovação de outrem (não
importa o quão “proeminente” seja a pessoa, situação ou organização) e nunca me
consegui identificar com a atitude de quem se esgatanha - fossem colegas,
concorrentes, amigos ou mulheres da luta. Afastava-me dessas situações antes
que começassem, ponto final.

A
atitude angustiada e humilhante, cheia de cobiça doentia (própria de quem nunca
teve nada, nem viu nada) de deslumbrados que lêem em todo o lado “a
oportunidade da sua vida”, que se obcecam com coisas ou pessoas (ou com o que
podem tirar delas, porque quem é obsessivo nunca é desinteressado) e fazem a
sua vida girar à volta disso, sempre me mereceu um certo desdém. Uma pessoa
mundana, habituada a observar o triste espectáculo da “caça ao amor”; alguém
que conheça os bastidores do mundo artístico ou que esteja na área dos recursos
humanos conhece à légua os desesperados e carenciados: de joelhos, a chamar a
atenção sobre si mesmos, em bicos dos pés, a apontar o dedo aos outros, a
empestar o ambiente, a tentar estabelecer “proximidades e contactos”, a subir
na horizontal atrás da cortina, a guerrear entre si, a fazer panelinhas, a
criar intrigas, a tentar tirar vantagens, enfim, a fazer tudo menos cuidar do
que devem. Se têm uma vitória, dão saltos e pulos, vangloriam-se para quem quer
ouvir, provocam os outros e mostram a má criação que possuem em todo o seu
esplendor. Inevitavelmente, pisam em falso,acabam mal e é bem feito.
Pela minha experiência, enquanto as hienas guincham,
se mordem umas às outras e se babam pela savana fora, triunfa aquele que ali
chegou para fazer “a sua cena” confiante e sereno. Aquela pessoa que quer mais
trabalho e menos conversa, que não vende a alma por amendoins e que no meio da
peixeirada se manteve imune a provocações baixas, concentrada e quieta no seu
canto para brilhar na hora certa. Porque sabe o que vale e não tem qualquer
necessidade de fazer figuras tristes ou piruetas. Afinal, não nasceu numa toca
e não precisa daquilo como de pão para a boca: os elogios, os holofotes e as
lantejoulas valem o que valem e não são, de todo, nada de novo ou
extraordinário.