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Jovens licenciados ao preço da chuva, grande sortido! |
Ontem à noite, na RTP, Bagão Félix expressou,
com a costumada elegância e clareza mental, alguns pontos de vista que me deram
que pensar, no que concerne à exigência e elevação de padrões que tanta falta
nos fazem.
A certa altura, toda a máquina portuguesa foi
programada para possibilitar ao português, a bem ou a mal, o seu maior sonho:
não um país produtivo, apoiado na recompensa proporcional ao esforço e
capacidades de cada um, mas um país onde o acesso ao Ensino Superior fosse
automático para todos (aqui ninguém é
menos que ninguém). Deus nos livre de que fosse reservado aos intelectuais,
ou aos melhores, aos mais inteligentes, aos mais aplicados, que servisse de
referência e que tivesse em conta a capacidade do mercado para absorver tantos
“doutores” e “mestres engenheiros”.
Em primeiro lugar, porque aqui ninguém é menos que os outros. Não importava se saíam do 12º
ano sem saber falar ou escrever a própria língua e sem um mínimo de cultura
geral: fez-se do Ensino Superior uma extensão do Ensino Obrigatório. Não
se criaram alternativas sólidas e socialmente apelativas, que capacitassem
quadros médios em áreas chave para Portugal. Não se conceberam testes
vocacionais, nem anos preparatórios para os candidatos indecisos ou que
precisassem de limar arestas. E sobretudo, como o que importava era ter um
diploma (nem que servisse para tapar os buracos nas paredes) ninguém se ralou
em controlar as fornadas de cursos iguais e de utilidade duvidosa que foram
inventando – alguns com nota de ingresso negativa – a bem dos egos feridos e da
ganância das instituições. Qualquer faculdade, em qualquer canto deste
rectângulo, tinha, porque tinha, de apresentar cursos para todos os gostos,
mandando às urtigas a Lei da Oferta e da Procura. Se há dez mil a querer licenciar-se em Letras todos os anos, para quê
discriminar? Que se dane a aplicação prática, o que interessa é que não se
obrigue ninguém a esperar pelo curso que quer, nem a escolher outra coisa para
seu próprio bem. Assim como assim, neste país não se pretende pagar a
ninguém ordenados de técnico superior!
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O "patrão" em Portugal |
E este é o maior problema:
Temos uma cultura generalizada das aparências,
dos títulos, da pechincha e da desconfiança dos “melhores”. O arrivista em
lugar de destaque não gosta de ter pessoas brilhantes a trabalhar para si –
principalmente se sentir que o infeliz sob as suas ordens é mais competente,
qualificado ou “privilegiado” (pelo berço, pela educação, por motivos
imaginários) do que ele. Em vez de ficar feliz por se ver rodeado de gente
capaz, pensa “este vem para aqui tirar-me protagonismo” e vai de deitar abaixo.
Acrescente-se a isso sermos um país
pelintra que gosta de o ser, habituado a pagar mal, ou se possível, a
esquivar-se a pagar de todo – e considere-se que o mesmo país está pejado de
desempregados licenciados . O que vem à rede, é peixe. O português prefere ter
uma empresa movida a estagiários a pagar pelo que consome. A médio prazo,
tem a organização de merece: desmotivada e de segunda categoria. Ser reles,
egoísta e forreta nunca dá bom resultado.
Devíamos
aprender com os americanos: nação apoiada na iniciativa individual, percebeu
muito cedo que as pessoas só produzem se tiverem algo que se veja a ganhar com
isso. O self made man americano não é
ressabiado: quer rodear-se de pessoas que o ajudem a fazer dinheiro, e sabe que
a qualidade tem de ser paga – e incentivada. Se alguém é brilhante, há que o
conservar. Se a empresa está a avançar, a evoluir, os empregados partilham essa
felicidade, para que se empenhem de acordo.
Uma sociedade em que 60% da população (número
atirado ao ar) foi sendo sucessivamente mal paga, a ganhar rés vés, Campo de Ourique para as suas necessidades; habituada à
ideia de que “trabalhar que nem um mouro” sem horas extraordinárias condignas –
ou fingir que trabalha mais horas que os outros - é trabalhar bem e produzir de forma competitiva;
para cúmulo, com discrepâncias gritantes mas obrigações iguais às os seus
“amigos” da União Europeia, e iludida com “um bom nível de vida a crédito” não
está preparada para aguentar embates. À primeira crise, à primeira
“austeridade” desmorona-se nos seus frágeis alicerces. E as primeiras vítimas
foram os jovens qualificados, que cresceram a contar não ser menos que os
outros, e agora se sentem defraudados.
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Tudo para a Feira da ladra, pessoal! |
Eis o fundo da questão: habituado a pagar mal a
toda a gente, Portugal quis galinha gorda por pouco dinheiro, uma nação
“qualificada”, “culta”, em tudo o oposto da velha realidade do país. Morria-se
pelo sapato novo, mesmo que magoasse o pé. Queriam muitos doutores, mas não
podiam, nem queriam, os gastos de pagar a doutores. É como querer a todo o
custo um BMW sem pensar que as revisões ficam caras; como ter uma piscina para
exibir aos vizinhos mas não pagar a manutenção. Estamos descobrir, infelizmente
tarde, que mais vale sê-lo do que parecê-lo. E que um país de pechinchas, peneiras,
novas oportunidades, utopias, facilidades, aparências e de privilégios
obrigatórios não tem como funcionar. Se alguma coisa parece demasiado boa para
ser verdade, geralmente é mesmo. Ou como dizem os americanos, wake up and smell the coffee, everyone!