
Celestine (Octave Mirbeau, O Diário de uma Criada de Quarto)
Provinciana tornada numa parisiense típica, a bonita Celestine é uma criada de quarto de luxo com a mente de um antropólogo, um sentido de humor acutilante e um mau feitio que por um lado, a mantém a salvo da exploração a que estavam sujeitas as mulheres do seu tempo e do seu meio, mas por outro a leva a rodar de casa em casa. A língua afiada não a deixa conservar o mesmo emprego muito tempo, por isso o seu diário é cheio de peripécias - ora retratos da miséria humana, ora situações deveras cómicas. A quem não leu, recomendo a tradução de José Parreira Alves (ed. Inquérito) que é uma delícia. Reproduzo uma entrevista de emprego daquele tempo, numa agência de colocações algo sórdida:
"Um dia, apareceu uma mulherzinha, com o cabelo indecorosamente tingido, os lábios passados a mínio, as faces esmaltadas, insolente como uma galinha - da - índia e perfumada como um bidé, que ao fim de trinta e seis perguntas, me fez mais esta:
- E a sua conduta?...Recebe amantes?
- E a senhora? - retorqui eu, muito calma e sem mostrar o menor espanto."

Escolha óbvia: Maria Eduarda Maia é a única -ou das poucas - mulheres que Eça de Queiroz pinta com uma luz positiva. Fidalga arrancada às suas origens para levar uma vida de incerteza à mercê dos desmandos de uma mãe aventureira e dramática, a protagonista tem beleza, bondade, um espírito elevado, graça, sensualidade, gosto...é uma mulher (e senhora) aparentemente perfeita e os erros que comete são fruto do infortúnio. Maria Eduarda está desenhada para ganhar a simpatia do leitor, mas o que me marcou desde a primeira vez que li Os Maias foi o seu sentido de estilo. O seu guarda roupa, como tudo nela, é luxuoso, mas sóbrio:
"(...)maravilhosamente bem feita, deixando atrás de si como uma claridade, um reflexo de cabelos de ouro, e um aroma no ar. Trazia um casaco colante de veludo branco de Génova, e um momento sobre as lajes do peristilo brilhou o verniz de suas botinas".
"Ela, com um vestido simples e justo de sarja preta, um colarinho direito de homem, um botão de rosa e duas folhas verdes no peito (...) "
"Trazia ordinariamente um vestido escuro e simples: apenas às vezes uma gravata de rica renda antiga, ou um cinto cuja fivela era cravejada de pedras, avivavam este traje sóbrio quasi severo, que parecia a Carlos o mais belo, e como uma expressão do seu espírito".
Foi paixão à primeira vista. Ou leitura. A manipuladora marquesa é a minha anti heroína favorita: uma mulher dona dos seus desejos, da sua vontade, que procura acima de tudo a independência e supremacia. Faz horrores com um estilo indelével, um génio de estratega e uma graça irresistível. Semeia a destruição à sua volta com um auto domínio à prova de bala. Joga com os homens na sua vida como quem move peças de xadrez. E todos a adoram, porque usa uma máscara de bondade e beleza como ninguém. No fundo, a sua motivação é compreensível: vingar as mulheres, com as suas maldades, dos horrores que vê os homens fazer impunemente. Mazinha, mas adorável.
"Já sabia o papel a que estava condenada; calar-me e fazer o que me era ordenado dava-me a grande oportunidade de ouvir e observar. Não o que me diziam, naturalmente desprovido de interesse, mas tudo o que tentavam esconder de mim.
Exercitei a indiferença. Aprendi a mostrar-me alegre debaixo da mesa, espetando um garfo nas costas da mão. Tornei-me… perita em dissimular. Não procurava o prazer mas o conhecimento. Consultei o mais severo dos moralistas para aprender a posar. Filósofos, para saber discernir. Romancistas, para ver o que poderia aproveitar. No final, reduzi tudo a um princípio maravilhosamente simples. Vencer ou morrer".
Meninas que andam encantadas com "Fifty Shades of Grey" larguem esse horror e arranjem como puderem uma tradução decente e integral deste clássico chinês, um equivalente oriental a livros como "Fanny Hill". Literatura, portanto, mas com picante. Lótus de Ouro é uma das seis esposas do playboy Ximen, e a mais inteligente de todas - um pouco como Madame de Merteuil, mas dada a métodos menos subtis. Linda, culta, glamourosa, cheia de vida, com um espírito sagaz e divertido, num minuto é um anjo e logo a seguir um demónio, conforme a necessidade. Acima de tudo, é uma sobrevivente num mundo cruel. Na cultura chinesa foi considerada durante muito tempo o arquétipo da esposa adúltera, mas ganhou recentemente uma luz mais positiva noutras versões da história, pois é de facto impossível detestar a personagem.