Audrey Hepburn e Grace Kelly |
"(...)Nada mais significativo que o seu modo de andar; veja-se o andar de uma inglesa, firme, direito, acentuado, sereno, prático; sente-se a saúde, a personalidade bem afirmada, a coragem, os instintos positivos. Veja-se o andar de uma menina portuguesa, arrastado, incerto, balançado, hesitante, mórbido:
sente-se a indecisão, a fraqueza e a incoerência."
Eça de Queiroz (sobre as meninas de Lisboa) in Farpas
Se Eça viesse ver as portuguesas a caminhar em 2013, ficaria surpreendido...ou não. A postura correcta e o andar elegante foram dois tópicos que fizeram por me obrigar a absorver desde muito nova (e ainda bem, porque se numas coisas sempre fui muito feminina noutras era uma verdadeira maria rapaz). Livros em cima da cabeça, disciplina militar e uma professora de ballet que impunha respeito ao mais afoito ajudaram a moderar essa má tendência - afinal, só há uma coisa mais feia do que uma rapariga que se mexe como um torpedo, ou que anda por aí a corcovar: é o terrível hábito de abanar as ancas. Mas já lá vamos.
Hoje, poucas coisas são tão importantes para mim, ao apreciar (porque nós, mulheres, temos a tendência inata de nos avaliar umas às outras com mais ou menos simpatia) a beleza e a classe de uma mulher como o seu porte e a forma como se move. E talvez essa postura perfeita me chame tanto a atenção por não ser, infelizmente, a norma, tanto nas mulheres na casa dos 20/30, como nas adolescentes.
Creio que o andar incoerente e preguiçoso que tanto irritava Eça foi substituído, no nosso tempo, por por três fenómenos:
- As meninas que caminham como rapazes, mercê do hábito dos ténis;
- As meninas que caminham como rapazes, mercê do hábito dos ténis, mas que decidiram, de repente, usar saltos vertiginosos ou pior ainda, tacões "confortáveis" que permitem, passe a expressão, galopar sobre andas;
- As meninas que usam saltos assassinos mesmo durante durante o dia - lamentavelmente acompanhados dos trapos inenarráveis (hotpants, leggings e por aí fora) - que tenho massacrado muito por aqui. Meninas essas que balançam as ancas e o derrièrre quando andam, numa tentativa pateta de chamar a atenção. Isto mercê das Rihannas, das Beyonces e Shakiras, dos brasileirismos pouco recomendáveis, das kizombadas, latinadas e de outros terrores que se banalizaram. Se no tempo das nossas avós o ideal de beleza era Grace Kelly ou Elizabeth Taylor, hoje os exemplos são outros...
Diz-se curto e brutalmente lá para as terras dos meus avoengos, “ Cuannu ‘a fimmina camina e u’ culu ci abballa, si nun è buttana, falla” ...ou seja, "uma mulher que balança o traseiro quando anda, se não é uma prostituta, anda lá perto". Exagerado, próprio das perspectivas algo machistas de outros tempos, mas com um fundo verdadeiro: a genética feminina, ajudada por um bom par de sapatos, já nos dá todo o requebro necessário; é escusado e ridículo tremelicar por aí, dando uma imagem pouco abonatória a quem passa.
Dito isto, parece-me que o grande autor se queixava não sabendo que vinha por aí muito pior: o espartilho podia esborrachar a figura grega que ele tanto admirava, sufocar a vivacidade e tornar as mulheres murchas, mas ao menos mantinha as costas direitas e tudo no lugar. Quanto aos saiotes, caudas e criolinas, já nem falo: muito gostaria eu de ler Eça a pronunciar-se sobre os mini calções!