René Villemure
Peço desde já desculpa pelo assomo de #humblebragging ("gabarolice discreta" seria uma tradução sofrível) mas quando me enviam algo de bom, gosto de partilhar.
Principalmente quando algo de bom se refere a trocar impressões com uma mente brilhante que - oh, coisa tão reconfortante como um chocolate quente - tem pontos de vista semelhantes aos nossos.
O filósofo e dandy René Villemure- que se dedica, entre outras coisas, ao estudo e desenvolvimento da Ética nas organizações - fez-me chegar um texto da sua autoria, um dos escritos mais dolorosamente bonitos que já li sobre a problemática da beleza... que tão maltratada anda nos últimos tempos.
Em boa verdade, entre a Ética -atropelada a torto e a direito - e a Beleza, tanto do corpo como da alma- ora distorcida, ora questionada, ora apontada quase como algo de que as pessoas se devam envergonhar... não sei dizer qual tem sofrido mais na época que atravessamos.
Ambas têm, na sua essência, no seu impulso e na sua prática a elevação, o refinamento, a purificação, o aperfeiçoamento: seja da sociedade, da arte, das relações humanas.
Mas como tudo o que é belo e bom tem um preço - exige esforço, sob pena de exclusão - a Ética e a Beleza estão sujeitas ao ressentimento.
E com o ressentimento, ou a inveja, vêm as tentativas de destruição - como o criminoso de rua que grafita os muros de um palácio, apenas porque não pode morar nele...nem está disposto a empreender quaisquer mudanças para ser digno daquilo que encarniçadamente cobiça.
Procura-se desfear e vulgarizar as mulheres, a arte, o amor; há um esforço desesperado para provar que o feio pode ser o novo bonito, ou mais interessante...para que ninguém se sinta na obrigação de melhorar. Cultive-se o feio, então, que é mais fácil.
Procura-se freneticamente uma relativização generalizada do bem e do mal, esbater as fronteiras entre o moral e o imoral, justificar a baixeza, o ordinário, o vale tudo...para que ninguém se sinta pecador.
Na nossa época importa mais reconhecer que há coisas feias no mundo, retratar as coisas feias, hiperbolizá-las, justificá-las aos olhos do mundo, do que
corrigi-las, inspirar, chamar para o Alto.
Há dias li o comentário genial de um internauta anónimo, a propósito do sucesso de livros como as Cinquenta Sombras - sendo que por cá temos exemplos ainda piores:
"The book appeals to the thousands of women out there who think they can look like a slob and gain the love of a sexy, handsome, filthy rich man".
Fenómenos de popularidade destes - heroína desengraçada, herói de capa de revista - parecem dar voz ao mito urbano «se uma mulher bonita é um perigo, uma mulher insignificante é um perigo e uma desgraça» ou «quanto menos formosa uma mulher é, mais descarada se torna».
E este paradoxo sucede porquê? Porque mesmo quem cultiva o feio e condena a beleza, quem procura reduzi-la ou aviltá-la, tem- embora careça de empenho para a criar na sua vida ou na sua pessoa - o desejo primordial de a possuir, ainda que seja através do outro.
Embora a beleza - se falarmos na beleza meramente física - seja relativa, ninguém se sente bem na presença do que é, a seus olhos, desagradável. Por mais politicamente correcto que seja dizer o contrário.
O mesmo sucede com a beleza da alma: por mais que se relativize o mal ou o vulgar, há uma vozinha lá dentro que nos diz que isso não está correcto. Porque contraria a nossa própria essência.
Como René Villemure sabe explicar como ninguém, Eros, o desejo, só sente alívio ou esperança na presença da Beleza; e finalmente, só se satisfaz com a posse da Beleza, ou se não puder tê-la, com a sua destruição. É visceral.